sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Natais Congestionados

Pessoal,

Recebi uma agradável contribuição do meu irmão Vitor Guerra para o blog. É um conto que narra o Natal de uma família presa em um congestionamento. Muito bom!

Natais Congestionados

por Vitor de Oliveira Guerra

            ─ Amor, já falei com a minha mãe. Vamos passar o Réveillon com ela.
            A fala de Jaqueline soou de forma seca e ríspida aos tímpanos de seu marido, o Sr. Jorge Klein. O homem estava quieto em sua poltrona, lendo as notícias do dia no jornal local, até que a sentença da esposa o tirou do sério. Antes que fizesse valer seu direito à réplica, Jorge conferiu a data na primeira página do periódico que lia. Era o dia 20 de dezembro, uma sexta-feira que prometia temperaturas elevadas segundo a previsão do tempo.
            ─ Você enlouqueceu, Jaqueline? ─ gritou Jorge enquanto uma veia de seu pescoço teimava em saltar. ─ Como você planeja uma coisa dessas sem me consultar?
            ─ Ora, Jorge! Eu acabei de avisar pra você com mais de uma semana de antecedência.
            ─ Você devia ter me avisado isso com, no mínimo, um mês de antecedência! Você não acompanha os noticiários da TV? Não vê como as estradas ficam cheias nesta época do ano?
            ─ Ah, amor, desculpa... É que minha mãe insistiu tanto pelo telefone. Coitada, Jorge! A pobrezinha ia passar a virada sozinha! Você acha isso certo?
            ─ E você acha certo pegar mais de 1000 quilômetros de congestionamento?
            ─ Jorge, não reclama. Vamos pra casa da minha mãe custe o que custar. A gente dá um jeito de se adaptar ao engarrafamento.
            As decisões da casa sempre eram discutidas por Jorge, mas era Jaqueline quem botava um ponto final em cada pauta. Sem ter mais fôlego para argumentar com a esposa, Jorge abaixou a cabeça levemente e disse com um suave tom de derrota em sua voz:
            ─ Tudo bem então. Apronte as nossas malas logo. Também avise a Jéssica e o Júnior para arrumarem as bagagens deles. Saímos em meia hora.
            Desta vez, a submissa era Jaqueline. Cumpriu todas as ordens do dono do carro e, após 25 minutos, a família Klein estava completamente preparada para iniciar a viagem: a bagagem no porta-malas, as crianças no banco de trás, a mulher no assento do copiloto e o marido com as mãos no volante. Contudo, o barulho do motor começou a ser abafado pela irritação de Jéssica.
            ─ Ah, mãe! ─ resmungou a menina. ─ Por que a gente tem que ir? Você sabe que eu detesto viajar de carro! Ainda mais pro Rio de Janeiro nesta época de fim de ano. Eu li na Internet que os engarrafamentos até lá são gigantes! Vamos demorar um século nesta viagem!
            ─ Para de reclamar, Jéssica! ─ disse Jaqueline com a típica voz forte de mãe. ─ Eu sei que a viagem vai ser longa e cansativa, mas a vovó quer muito ver vocês no Réveillon.
            ─ E como Papai Noel vai entregar meu presente se a gente não vai ficar em casa? ─ perguntou o pequeno Jorge Klein Júnior, seguindo todos os estereótipos de vozes meigas de criança.
            ─ É só deixar a janela do carro aberta na véspera do Natal. ─ respondeu o pai. ─ Tenho certeza de que ele vai dar uma passadinha aqui antes de visitar as casas das outras crianças.
            Com o rosto feliz e conformado de Júnior, a família Klein continuou sua jornada rumo ao Rio de Janeiro. Os primeiros 15 minutos foram de trânsito tranquilo, mas bastou uma curva para a situação ficar completamente diferente. Jorge virou o carro para a esquerda e encontrou o congestionamento quilométrico que tanto falara. Após algumas tentativas frustradas, conseguiu um espaço em meio a tantos outros veículos cheios de pessoas e de malas. Todos queriam desfrutar os prazeres da Praia de Copacabana no dia 31 de dezembro. A multidão engarrafada incluía até um casal paraense que já se preparava para ver os desfiles das escolas de samba cariocas. Estes são exemplos perfeitos de planejamento eficaz nos dias contemporâneos!
            Depois de 20 minutos no congestionamento, Jaqueline colocou um CD para tocar. As músicas, de certa forma, aliviavam a monotonia da viagem, o cansaço do motorista, a implicância das crianças e a tensão da mulher. A ideia funcionou durante 7 horas, a soma dos tempos de duração de todos os discos presentes no carro. E, mesmo assim, o automóvel não havia saído do lugar.
            Sem música, os viajantes tiveram que se contentar com o entretenimento do sono. Contudo, o barulho ensurdecedor das buzinas ignorantes os fazia abrir os olhos a cada instante. Desistiram da soneca. Resolveram conversar um pouco sobre os mais variados assuntos. Após algumas horas de debates entediantes, as conversas se estenderam aos outros carros. As famílias vizinhas no engarrafamento se deram muito bem e já começaram a desenvolver certas amizades de momento: os homens comentavam o futebol, as mulheres fofocavam sobre a nova novela, os adolescentes compartilhavam ideias sobre festas, as crianças criavam ligas de super-heróis. O carro da família Klein avançou um metro.
            Entretanto, como o tempo não desejava ir ao Rio de Janeiro, ele logo passou. Na véspera de Natal, o cenário da estrada já era completamente diferente. Donas de casa estendiam roupas no varal usando as antenas dos carros como suportes para a corda, os adultos improvisavam uma partida de truco nos capôs, as criancinhas usavam os porta-malas como esconderijo no pique-esconde etc. Para introduzir o clima natalino ao ambiente, os veículos foram decorados com luzes do tipo pisca-pisca e com guirlandas nos retrovisores.
            Antes de cruzarem a divisa com Minas Gerais, o motorista da família Klein avistou ao longe um mercado na beira da estrada. Sem dar maiores explicações aos seus tripulantes, o homem abandonou a direção do veículo, passou por entre os carros e entrou no estabelecimento. Ao retornar ao carro, Jorge trazia em suas mãos um pequeno frango assado e um prato de arroz pronto, além de um saco com farofa temperada.
            ─ Desculpa, gente. ─ disse o pai. ─ Isto foi o que eu consegui pra nossa ceia.
            Os outros membros da família se emocionaram com o gesto de Jorge. Após um forte abraço em conjunto, todos tentaram repartir a comida como puderam. Apesar das advertências do pai sobre o estofado novo, o carro ficou completamente sujo com os grãos de arroz espalhados pelos bancos e com a gordura do frango que escorria pela janela. Contudo, o homem relevou a situação e prometeu dar uma bronca nas crianças quando ultrapassasse Belo Horizonte, o que ia demorar a acontecer.

            Depois de uma boa noite de sono, a família prosseguiu a viagem assim como os demais automóveis do congestionamento. Na tarde do dia 31, toda a multidão finalmente conseguiu chegar ao seu destino: a cidade do Rio de Janeiro. A família Klein se dirigiu à casa da mãe de Jaqueline, os vizinhos foram para a Praia de Copacabana e o casal paraense já engatou no caminho para o sambódromo antes da alta temporada. Foi, de fato, uma viagem muito cansativa para aquelas pessoas do engarrafamento. Todavia, todos chegaram bem e felizes aos seus destinos. Apenas o pequeno Jorge Klein Júnior não havia ficado satisfeito com a odisseia até a capital fluminense. Afinal de contas, como o pobre menino poderia ficar contente se o Papai Noel não entregara o seu presente? Mas também não culpemos o Bom Velhinho. Ninguém tem culpa de ter seu trenó parado em quatro blitzes consecutivas e de perder várias horas atrás de uma multidão de pássaros migrantes. Talvez ele consiga chegar a tempo para a Folia de Reis.

Vitor, muito obrigado pela contribuição!


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